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Entre
outras propostas, PL nº 6.840, que tramita na Câmara, sugere que currículos do
ensino médio sejam organizados por áreas do conhecimento. Educadores afirmam
que isso fere princípios da Constituição e da LDB
25/02/2014
André
Antunes, da
EPSJV
Um projeto de lei atualmente
em tramitação no Congresso Nacional que propõe mudanças no ensino médio
brasileiro vem levantando questionamentos de professores, pesquisadores e até
da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC). Trata-se do
PL nº 6.840/2013, elaborado pela Comissão Especial destinada a promover Estudos
e Proposições para a Reformulação do Ensino Médio (CEENSI) da Câmara dos
Deputados, presidida pelo deputado federal Reginaldo Lopes (PTMG) e que tem
como relator o deputado Wilson Filho (PTB-PB).
Argumentando
que o currículo atual do ensino médio é “ultrapassado, extremamente carregado,
com excesso de conteúdos, formal, padronizado, com muitas disciplinas
obrigatórias numa dinâmica que não reconhece as diferenças individuais e geográficas dos alunos”, o projeto
propõe alterações na Lei nº 9.634/1996, a Lei de Diretrizes e Bases da educação
nacional (LDB). A principal – e mais controversa – alteração proposta pelo
projeto é a organização dos currículos do ensino médio por áreas do
conhecimento.
Pela proposta,
os estudantes poderiam escolher, no terceiro do ano do ensino médio, entre
diferentes opções formativas: linguagens, matemática, ciências da natureza,
ciências humanas e formação profissional.
“Assim, o
aluno poderá optar pela formação que mais se adequa às suas preferências e
necessidades, possibilitando, inclusive, uma preparação mais adequada àqueles
que pretendem ingressar na educação superior ou antecipar sua entrada no mercado de trabalho”, afirma a justificativa
do projeto.
Além disso, o projeto institui a
jornada em tempo integral no ensino médio, aumentando de 800 para 1400 horas a
carga horária mínima anual nessa etapa de formação, e elimina a possibilidade
de menores de 18 anos cursarem o ensino médio no período noturno.
Retrocesso
Para Marise Ramos,
professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
(EPSJV/Fiocruz) e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), o projeto,
caso aprovado, representaria um enorme retrocesso.
“Isso representa um retorno à
legislação da Reforma Capanema da década de 1940, em que o ensino era dividido
entre o clássico, o científico e o profissionalizante. Até hoje é possível
encontrar pessoas que estudaram sob a égide dessa legislação que nunca
estudaram química ou física, porque fizeram o percurso clássico, ou que nunca
estudaram filosofia, sociologia ou mesmo história”, compara.
Essa “fragmentação”, para Marise,
refletia uma visão instrumental da educação e um enfoque na formação de mão de
obra para o mercado de trabalho. Nesse aspecto, segundo ela, a LDB, de 1996,
trouxe avanços, consagrando, em seu artigo 22, o entendimento de que a educação
básica (da qual faz parte o ensino médio) tem a finalidade de assegurar ao
educando “a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e
fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e no prosseguimento de
estudos”.
Essa concepção está inscrita também no
artigo 205 da Constituição Federal, segundo o qual a educação deve visar “ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho”.
Em nota técnica sobre o PL 6.840, a
Secretaria de Educação Básica do MEC afirma que o projeto fere as formulações
inscritas na LDB e na Constituição, “pois o fato de ser obrigatório fazer
alguma opção estabelece uma diferenciação formativa no ensino médio, portanto,
na educação básica, que fere o princípio constitucional da igualdade de acesso
aos bens culturais produzidos pela humanidade com vistas à formação integral de
todo e cada cidadão”.
A nota técnica faz diversas objeções
ao texto do projeto, e uma delas diz respeito à instituição da jornada em tempo
integral, de 7 horas diárias, que é, segundo a nota, positiva em tese; na
prática, no entanto, a medida acaba sendo prejudicial aos estudantes mais
pobres.
“Do ponto de vista da realidade
socioeconômica da grande parte dos jovens brasileiros oriundos dos setores
populares, representa uma forma de exclusão do Ensino Médio ministrado no período
diurno, dado o fato de que tal parcela significativa da população jovem do país
trabalha, seja para contribuir para a renda familiar, seja para suprir suas
próprias necessidades. É, portanto, nesse contexto, medida discricionária, que
institui um ensino médio diferenciado para uma população jovem com melhores
condições de vida e relega, ainda mais, ao curso noturno os setores populares”,
diz a nota.
Maiores de 18 anos
O ensino médio noturno, pela proposta
da Comissão Especial da Câmara, ficaria restrito aos maiores de 18 anos. A
alteração sugerida pelo projeto à LDB gerou críticas da Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), que publicou uma petição na
internet contra a aprovação do projeto.
No texto da petição, a Anped afirma:
“Dados do IBGE de 2011 informam que 31,5% dos jovens de 15 a 17 anos trabalham
e estudam, estudam e procuram emprego ou só trabalham. Isso significa que
acabar com o ensino noturno para essa faixa de idade é, de fato, excluía do
sistema de ensino. Destinar o ensino médio noturno apenas à faixa etária dos 18
anos em diante significa duplicar uma política já existente, que é a EJA, ou em
outros termos, a superposição de modalidades que cumprem a mesma
atribuição”.
Formação profissional
Especificamente na área da educação
profissional, tanto a Anped quanto a Secretaria de Educação Básica do MEC
entendem que a proposta em tramitação na Câmara traz problemas. Um deles é a
inclusão da opção de formação profissional no último ano do ensino médio, que,
para a Anped, “nega a existência da modalidade de Ensino Médio Integrado à
Educação Técnico Profissional”.
Para Marise Ramos, o projeto enfatiza
as formas concomitante e subsequente de educação profissional em detrimento da
formação profissional integrada ao ensino médio. Para ela, isso sinaliza uma
consonância do PL nº 6.840 com o direcionamento que as políticas de educação
profissional têm tomado nos últimos anos, com a ampliação do número de vagas
por meio de parcerias com a iniciativa privada, principalmente através do
Pronatec.
Indício disso é o artigo 36-E do PL nº
6.840, onde se lê que a oferta de educação profissional “poderá ser
feita em regime de parceria entre os entes federados e o setor produtivo, com
vistas à ampliação das oportunidades educacionais”.
“Com essas alterações na LDB, fica
fácil você fazer parcerias para que os estudantes cursem o terceiro ano no
Sistema S ou outras instituições privadas. Suponhamos: você tem um aluno numa
escola estadual que tem parceria com o Senai, por exemplo. Ele faz os primeiros
dois anos na escola e no terceiro ano vai para o Senai. E aí como ele é aluno
da escola pública, o Estado é quem vai subsidiar o Sistema S para fazer isso.
Bom demais para quem ganha com isso, só não é bom para a classe trabalhadora,
que acaba tendo sua formação reduzida somente às necessidades do mercado de
trabalho”, analisa Marise.
A EPSJV entrou em contato com a
assessoria do deputado Wilson Filho, relator do projeto, para que ele
respondesse às críticas apresentadas, mas até o prazo de fechamento da matéria
não havia conseguido agendar uma entrevista com o parlamentar.