LOUVORES

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

SOBRE PROFESSORES DA ESTRADA




Acordamos na madrugada e deixamos nossas famílias, nossas cidades,  rumo a outras cidades que oferecem melhores salários, melhores condições. Somos muitos circulando pelas estradas brasileiras: de carro, de moto, de ônibus, de vãs... sem falar no pessoal das hidrovias. O tempo de estrada, para muitos, é bem perto da carga horária na escola.  Na estrada, vemos e sofremos acidentes, e provocamos, e nos ferimos e morremos. Pois é. E morremos. Morremos em busca de melhores condições. Dormimos na estrada, cochilamos, acordamos no susto. Outras vezes, estamos acordados, bem acordados, atentos, e somos surpreendidos por alguém que dormiu, que perdeu o controle, que partiu para cima de nossos veículos. E morremos.

Não aguentamos mais morrer. E morre um pedaço de nós com cada colega que morre. E eles têm morrido. A cada semana, um novo acidente, um morto, um ferido. Enquanto nossas famílias nos imaginam na escola, já estamos em hospitais, em IMLs, e isso é desesperador. Gostaríamos de ser professores de uma cidade só, de uma escola só, pertinho de casa, mas não dá. Para melhorarmos um pouco o salário, precisamos mesmo ser professores da estrada, de mais de uma escola, de mais de uma cidade, de muitas turmas. 

Sabemos de nossas limitações, de nossas fragilidades, dos riscos de nossos deslocamentos, mas sabemos também de nossas necessidades financeiras, e por isso partimos para as estradas, para cidades distantes, para a vida e para a morte.

Numa semana, Rooney. Noutra semana, Marcelo. E ambos de Educação Física. Rooney é Marcelo, que é Isac, que é José, que é Maria, que é João, que é Antônio. Educação Física é Literatura, que é Física (sem Educação), que é Artes, que é Matemática, que é Redação. Somos todos um só. Nossas disciplinas se interligam. Formamos uma teia. Nos ferimos juntos. Nos carregamos, nos caronamos. Ora nos amamos, ora nem tanto assim, mas fazemos parte de uma teia. E nessa teia, quando um se fere, todos sentimos a dor; quando um morre, leva um pouco de nós, e deixa em nós parte de si. Somos professores das estradas, de uma pátria educadora para a qual somos números, estatísticas que se deslocam entre  cidades e que geram novas estatísticas nas quais preferimos não aparecer.

Que essa pátria educadora que nos pariu, que nos formou, que agora se preocupa com nossas aposentadorias nos próximos dez anos e a falta de novos profissionais para nos substituir, pense um pouco em nós, agora e antes da hora da nossa morte. Amém.
ISAC MACHADO DE MOURA



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