Aumentar
os gastos com a educação no Brasil é mesmo uma boa ideia? Começo com uma
pergunta porque perguntas certas sem respostas valem muito mais do que
respostas certas para perguntas erradas. Este artigo é sobre a política
educacional no Brasil, mas também sobre humildade. A solução para muitos
dos nossos problemas, não só no caso da Educação, deve partir de uma postura de
reconhecimento de nossas limitações. Precisamos perguntar e questionar mais, ao
invés buscar responder de qualquer jeito aquilo que ainda não podemos – e
talvez nunca poderemos - compreender.
Em junho de 2012, a Câmara dos Deputados aprovou o Plano
Nacional de Educação (PNE) que propõe aumentar gradualmente a proporção do
Produto Interno Bruto (PIB) dedicado à Educação dos atuais 5,1 % para 10% no
prazo de 10 anos, o que hoje colocaria o Brasil entre os líderes em
investimentos na educação (medida do percentual do PIB), atrás apenas de países
como Timor Leste e Cuba, e a frente de Moldávia, Maldivas e Burundi, de acordo com dados de 2009 do Banco Mundial. A
proposta, assim, parte do pressuposto de que o Ministério da Educação precisa
fundamentalmente de mais receita para desenvolver e melhorar suas
políticas educacionais.
Dentre
os bem intencionados, não há um sequer que seja contra o fim “Educação”. Todos
queremos mais e melhores instituições de ensino capazes de prover as condições
necessários para o aprendizado de modo que os jovens de hoje se tornem adultos
mais preparados amanhã. As receitas elaboradas para resolver os problemas não
costumam mudar. O problema, afirmam os especialistas e beneficiários do
sistema, ocorre sempre em função da falta de ingredientes ou, melhor dizendo,
de impostos sobre o esforço e o suor dos cidadãos brasileiros. O que tem nos
faltado é questionar aqueles que colocam estas receitas em prática e estão
sempre pedindo mais ingredientes.
A necessidade de revisão do sistema educacional brasileiro
é evidente para acadêmicos, políticos e jornalistas. Não é para menos. O
desempenho de brasileiros em avaliações internacionais é decepcionante, para
dizer o mínimo. Segundo relatório da OECD
de 2009, o Brasil ocupa o 53º lugar em Ciências e Leitura e o 57º em
Matemática, dentre os 65 países que fizeram parte da pesquisa, atrás de países
em desenvolvimento como México e Polônia. Em recente estudo do
Instituto Paulo Montenegro (IPM), demonstra que impressionantes 38% dos
alunos universitários são analfabetos funcionais (competência básica para interpretar
textos). Enquanto isso, o próprio MEC também se tornou alvo de críticas após
suas falhas consecutivas na aplicação do ENEM (2009 e em 2011).
Não
há crescimento econômico sem capital humano; não há aumento na renda das
famílias sem educação. Grandes empresas nacionais e multinacionais no Brasil
são obrigadas a tentar buscar trabalhadores qualificados em outros países. Se
por um lado testemunhamos o crescimento econômico do “país do futuro”, por
outro este futuro é questionado mais uma vez quando seus talentos continuam a
ser desperdiçados todos os dias. Tal desperdício, contudo, não pode ser
reduzido apenas a indicadores econômicos ou à impossibilidade de suprir
demandas de mercados globais. Vivemos em um país em que as condições para o
florescimento dos talentos e a realização dos sonhos só existem para alguns que
podem pagar. O problema não é meramente econômico, mas moral, assim como não é
uma questão de fins, mas de meios. Será que este novo plano oferece uma saída
diferente ou apenas uma dose maior do mesmo remédio que já se provou ineficaz?
A
EDUCAÇÃO BRASILEIRA E O CICLO DA EXCLUSÃO SOCIAL: POBRES MAIS POBRES E RICOS
MAIS RICOS.
O
Ensino Público brasileiro é, de uma forma geral, de baixíssima qualidade. A
situação do ensino público básico brasileiro, especificamente, em que os mais
jovens e humildes talentos brasileiros supostamente iniciam sua formação
intelectual, é ainda pior. No ENEM de 2010, 8 em cada 10 escolas da rede
pública obtiveram pontuação abaixo da média nacional, enquanto, dentre as 20
melhores médias do país, apenas duas foram obtidas por escolas públicas
(vinculadas a universidades federais). Já na Universidade de São Paulo,
considerada por muitos a melhor instituição de ensino brasileira, somente 28%
das 10.852 vagas oferecidas no vestibular foram preenchidas por egressos de
escolas públicas.
Este
sistema de educação “universal” brasileiro é composto por universidades
“gratuitas”, ou nas palavras do governo “para todos”, incumbidas, porém, de
educar não aqueles precisam auxílio mas justamente aqueles que podem pagar por
uma educação privada. Os encargos desta educação “pública” – ou
“governamental”, como preferem alguns – recaem, em parte, sobre aqueles que
dela são excluídos. Forma-se um verdadeiro ciclo de exclusão social, em
que pobres recebem educação básica de péssima qualidade e são preteridos nas
universidades públicas, enquanto ricos têm sua educação financiada pelo resto
da sociedade. A máxima “Os pobres se tornam cada vez mais pobres enquanto os
ricos cada vez mais ricos” não poderia ser mais adequada. O governo perpetua um
sistema de exclusão das famílias e indivíduos e depois tenta remendá-lo através
de políticas de ação afirmativa que criam tantos outros problemas.
É verdade que as universidades públicas brasileiras têm
desempenho razoável quando comparadas com outras universidades na América
Latina. Se incluirmos o resto do mundo, todavia, os resultados se mostram bem
abaixo da méda de países desenvolvidos ou em desenvolvimento. No ranking de 2012 da Times Higher Education, por exemplo,
somente a Universidade de São Paulo, no 178º lugar consta na lista das 200
melhores universidades do mundo, enquanto China e Coreia do Sul contam com três
instituições cada uma. Sim, as universidades públicas brasileiras contam com um
corpo de professores relativamente qualificados, atraídos principalmente pelos
salários e benefícios do setor público. Da mesma forma, os vestibulandos são
atraídos pela qualidade relativa dos professores e pelas vantagens econômicas
de estudar “de graça”. Mesmo assim, fatores como a péssima infraestrutura, a
influência política de sindicatos, centros acadêmicos, assembleias legislativas, ONGS e afins e a ausência de meritocracia entre alunos,
professores e administradores (efeitos de instituições que não punem fracassos
nem recompensam sucessos), tornam o resultado de todos os gastos públicos muito
aquém do esperado e do razoável.
As
vantagens no sistema universitário público tornam a opção bastante atraente
para todos os alunos, mesmo para aqueles em condições financeiras
privilegiadas, que tiveram a oportunidade de frequentar escolas privadas antes
do vestibular. Afinal de contas, as universidades são “gratuitas” e contam com
grande parte dos melhores professores e alunos. Está aí motivo para o
crescimento absurdo do mercado de cursos preparatórios para vestibulares.
Criamos uma sociedade em que estudantes de escolas públicas são estimulados a
abrir mão de sua educação, de seus sonhos e de suas paixões, já que não são
preparados para ingressar em universidades públicas. Preteridos, largam os
estudos de vez ou buscam alternativas mais convenientes em instituições
privadas de baixo custo e qualidade (as mesmas que têm suas licenças cassadas
pelo próprio MEC).
O que
temos, então, é um sistema de alunos abastados egressos de escolas privadas
estudando em escolas públicas de qualidade apenas razoável e alunos de péssimas
escolas básicas públicas desestimulados a prestar vestibular ou tentados a
buscar alternativas mais baratas e de qualidade inferior. Um ciclo de exclusão
social em que aqueles que menos têm abrem mão de seus sonhos e ainda pagam para
perpetuar os males que os afetam. Não se pode negar que as coisas precisam
mudar. As ideias têm sempre partido de dentro; são sempre novas formas de
organizar a educação e de se gastar com a educação. Sabemos que o ensino básico
merece maior atenção. A pergunta é: por que estas mudanças demoram tanto para
serem realizadas? Por que nunca geram resultados? Será que o problema não
é justamente com aqueles que estabelecem as regras e as põem em prática?
MAIS
RECURSOS PARA O GOVERNO, MENOS ESCOLHAS PARA A POPULAÇÃO
São
raras as lideranças acadêmicas e políticas brasileiras que questionam a
necessidade de transferir mais fundos para as mãos do Ministério da
Educação. Mais uma vez, falta-nos examinar não a quantidade de nossas
propostas, mas suas raízes. Será que a falta de recursos é mesmo o entrave para
o desenvolvimento da educação? As mesmas autoridades intelectuais e políticas
que pedem mais recursos parecem ignorar ou desconhecer o simples fato de que
“investir mais em educação” significa “transferir mais decisões para o governo
e retirar mais decisões da população”.
A ideia de que o problema da educação brasileira é a
falta de recursos, repetida muitas vezes pelas partes mais interessadas –
leia-se sindicatos de professores, organizações estudantis afiliadas a partidos
políticos e administradores públicos – é muito questionável. O custo por aluno
da educação básica até a educação secundária aumentou em torno de 121% entre
2000 e 2008 no Brasil, segundo relatório da OECD.
Já o investimento por aluno na educação básica subiu de R$ 1.439 em 2002 para
R$ 2.632 em 2008. Na mesma linha, o investimento no ensino superior também
subiu de R$ 14.374 por aluno em 2002 para R$ 14.763 em 2008. Os investimentos
no ensino básico têm crescido numa velocidade maior do que os investimentos no
ensino universitário. Progresso efetivo como demonstram os estudos apresentados
aqui, ainda não há. A educação no Brasil continua sofrível.
Naturalmente,
o aumento nas receitas também é acompanhado por um aumento na quantidade,
complexidade e amplitude das normas reguladoras no setor. Basta-nos uma breve
consulta ao site do MEC, para nos depararmos com uma infinidade de resoluções,
leis, portarias, tratados e secretárias dedicados aos mais diversos temas
tangenciando, mesmo que superficialmente, o assunto educação de diversas formas
diferentes. O provável aumento das receitas e responsabilidades do MEC, criará
um braço super poderoso do governo, incumbido da ambiciosa tarefa de desenhar
toda a política educacional de um país de dimensões continentais, super
populoso e diverso culturalmente.
Trata-se
de uma consequência inevitável dos estados intervencionistas como nos ensina o
economista Friedrich Hayek. As normas se tornam cada vez mais numerosas e
amplas (ambiciosas) em conteúdo, passando a regular situações cada vez mais
específicas e a estabelecer os fins e não apenas os meios para os alcançar.
Elas passam a decidir os caminhos e os destinos, ao invés de apenas prover as
condições para uma caminhada mais tranquila. Decisões são retiradas da esfera
das famílias e das comunidades e delegadas a corpos de burocratas a quilômetros
de distância em Brasília. Enquanto os gastos do governo aumentam, as
possibilidades de escolha da população se evaporam e os problemas continuam
quando não se tornam ainda maiores.
O
MONOPÓLIO DO GOVERNO SOBRE A EDUCAÇÃO
Assim, temos um sistema de universidades limitado cada
vez mais por requisitos e diretrizes que impedem as instituições de ensino,
sejam privadas ou públicas, a se ajustarem de forma adequada não somente às
demandas do mercado mundial, mas também às particularidades e preferências de
cada indivíduos e aos ideais de educação de seus pais. As regras são criadas e
impostas por um corpo de servidores públicos do MEC. Por mais extensos que
possam ser seus currículos e mesmo nobres as suas intenções, não é razoável
achar que eles possam conhecer todas as carências e especificidades de uma
sociedade plural como a brasileira. Além do mais, por que um modelo de educação
é necessariamente melhor do que outro? Será que a educação não precisa se
ajustar às circunstâncias de cada indivíduo família e comunidade? Pode uma
entidade centralizada como o MEC cumprir este objetivo? F.A. Hayek argumenta
que há um problema de conhecimento nas burocracias. É virtualmente
impossível que um entidade em Brasília seja capaz de compreender as
necessidades e particularidades de uma região como o Estado de Sergipe, de uma
cidade como Petrópolis e entender os problemas, talentos e sonhos dos Joãos e
Marias do Brasil. Somos muitos e todos diferentes. Será que o MEC realmente tem
todas as respostas?
Quando
métodos e fórmulas diferentes de produção competem entre si para atender à
procura, a qualidade do serviços tende a aumentar. Da mesma forma, quando um
modelo é imposto, monopolizado por uma entidade, os incentivos para mudanças,
melhoras e desenvolvimento desaparecem. O mercado de educação, nesse sentido,
só é diferente dos outros no que tange à sua importância; pois ele trata da
formação e do futuro de seres humanos. Não é por isso que as leis de oferta e
demanda deixam de existir: mais opções e escolhas, e menos barreiras de entrada
e saída geram melhores resultados para a sociedade. A melhor saída ,
portanto, é promover a competição neste mercado, aumentando as possibilidades
dos indivíduos, permitir que as cidades, os bairros, as famílias e os
indivíduos decidiam o que e como irá se educar. Precisamos desmonopolizar a
educação brasileira.
Um primeiro passo nesta direção pode ser a ideia de School
Vouchers proposta
pelo economista Milton Friedman (1916-2003), que conta com histórias de
sucesso em países bem sucedidos no assunto Educação como Suécia e o Chile. O
sistema de vouchers consiste
essencialmente numa redefinição da relação entre o governo e o pagador de
impostos. O pagador de impostos recebe determinada quantia do governo na forma
de voucher (que funciona como uma espécie de
vale-educação). Na posse deste, o indivíduo é livre para aplicá-lo da forma que
bem entender, desde que seja em educação. Pode, assim, optar por uma escola
administrada pelo governo, por uma escola privada, ou mesmo por alternativas
menos ortodoxas (como o homeschooling). Neste sistema, as escolas não obtém sua
receita através da administração estatal, mas através dos vouchers que recebem dos alunos que as elegem.
Estimula-se a concorrência entre escolas,
tanto privadas como públicas, preços tendem a diminuir e a qualidade dos
serviços a aumentar. A administração das escolas passa a ser responsável por
seus fracassos e sucessos, tornando-se sujeita à competição no mercado de
educação. Professores e administradores são incentivados a melhorar constantemente
para se manter na profissão. A administração, não mais submetida diretamente às
burocracias estaduais e federais, torna-se autônoma. Isto é, administradores
passam a poder demitir funcionários e investir em bens e serviços mais
apropriados para as suas circunstâncias.
A proposta merece, ao menos, ser estudada. Insistir nas
mesmas soluções, em maiores gastos nos mesmos erros, com a esperança de que,
desta vez, seja pelo aumento na receita ou pela genialidade e bondade dos
burocratas da vez – que admitamos: jamais nos inspiram confiança – não me
parece correto. O certo é que alternativas como os vouchers,
que privilegiam a autonomia, a responsabilidade de professores, administradores
e alunos e a meritocracia, estão faltando no Brasil. Discutir, estudar,
considerar, sempre com prudência, nunca é demais.
Humildade é o que essencialmente falta ao governo, às
instituições de ensino e às redações brasileiras, não só no que tange à
educação. Humildade para admitir que educar um país de quase 200 milhões de
pessoas é uma tarefa difícil. Humildade para nos desprendermos de utopias, de
ideologias e nos comprometermos com o real, com o factível. Humildade para
lembramos que do alto dos gabinetes políticos, das cadeiras acadêmicas ou das
redações dos grandes jornais, não podemos conhecer as necessidades e
particularidades de cada cidadão. Finalmente, humildade para reconhecer que
podemos errar e que, frequentemente, erramos. Partindo deste princípio, quem
sabe, não chegamos a uma conclusão diferente, um regime em que a liberdade de
escolha para as famílias e os indivíduos prevaleça sobre os arbítrios, mesmo
que bem intencionados, dos governantes e dos funcionários públicos.
Precisamos que nos deem as mínimas condições, mas queremos decidir nossos
próprios destinos.
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