LOUVORES

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Educação no Brasil: um outro olhar


Aumentar os gastos com a educação no Brasil é mesmo uma boa ideia? Começo com uma pergunta porque perguntas certas sem respostas valem muito mais do que respostas certas para perguntas erradas. Este artigo é sobre a política educacional no Brasil,  mas também sobre humildade. A solução para muitos dos nossos problemas, não só no caso da Educação, deve partir de uma postura de reconhecimento de nossas limitações. Precisamos perguntar e questionar mais, ao invés buscar responder de qualquer jeito aquilo que ainda não podemos – e talvez nunca poderemos -  compreender.
Em junho de 2012, a Câmara dos Deputados aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE) que propõe aumentar gradualmente a proporção do Produto Interno Bruto (PIB) dedicado à Educação dos atuais 5,1 % para 10% no prazo de 10 anos, o que hoje colocaria o Brasil entre os líderes em investimentos na educação (medida do percentual do PIB), atrás apenas de países como Timor Leste e Cuba, e a frente de Moldávia, Maldivas e Burundi, de acordo com dados de 2009 do Banco Mundial.  A proposta, assim, parte do pressuposto de que o Ministério da Educação precisa fundamentalmente  de mais receita para desenvolver e melhorar suas políticas educacionais.
Dentre os bem intencionados, não há um sequer que seja contra o fim “Educação”. Todos queremos mais e melhores instituições de ensino capazes de prover as condições necessários para o aprendizado de modo que os jovens de hoje se tornem adultos mais preparados amanhã. As receitas elaboradas para resolver os problemas não costumam mudar. O problema, afirmam os especialistas e beneficiários do sistema, ocorre sempre em função da falta de ingredientes ou, melhor dizendo, de impostos sobre o esforço e o suor dos cidadãos brasileiros. O que tem nos faltado é questionar aqueles que colocam estas receitas em prática e estão sempre pedindo mais ingredientes.
A necessidade de revisão do sistema educacional brasileiro é evidente para acadêmicos, políticos e jornalistas. Não é para menos. O desempenho de brasileiros em avaliações internacionais é decepcionante, para dizer o mínimo. Segundo relatório da OECD de 2009, o Brasil ocupa o 53º lugar em Ciências e Leitura e o 57º em Matemática, dentre os 65 países que fizeram parte da pesquisa, atrás de países em desenvolvimento como México e Polônia. Em recente estudo do  Instituto Paulo Montenegro (IPM), demonstra que impressionantes 38% dos alunos universitários são analfabetos funcionais (competência básica para interpretar textos). Enquanto isso, o próprio MEC também se tornou alvo de críticas após suas falhas consecutivas na aplicação do ENEM (2009 e em 2011).
Não há crescimento econômico sem capital humano; não há aumento na renda das famílias sem educação. Grandes empresas nacionais e multinacionais no Brasil são obrigadas a tentar buscar trabalhadores qualificados em outros países. Se por um lado testemunhamos o crescimento econômico do “país do futuro”, por outro este futuro é questionado mais uma vez quando seus talentos continuam a ser desperdiçados todos os dias. Tal desperdício, contudo, não pode ser reduzido apenas a indicadores econômicos ou à impossibilidade de suprir demandas de mercados globais. Vivemos em um país em que as condições para o florescimento dos talentos e a realização dos sonhos só existem para alguns que podem pagar. O problema não é meramente econômico, mas moral, assim como não é uma questão de fins, mas de meios. Será que este novo plano oferece uma saída diferente ou apenas uma dose maior do mesmo remédio que já se provou ineficaz?
A EDUCAÇÃO BRASILEIRA E O CICLO DA EXCLUSÃO SOCIAL: POBRES MAIS POBRES E RICOS MAIS RICOS.
O Ensino Público brasileiro é, de uma forma geral, de baixíssima qualidade. A situação do ensino público básico brasileiro, especificamente, em que os mais jovens e humildes talentos brasileiros supostamente iniciam sua formação intelectual, é ainda pior. No ENEM de 2010, 8 em cada 10 escolas da rede pública obtiveram pontuação abaixo da média nacional, enquanto, dentre as 20 melhores médias do país, apenas duas foram obtidas por escolas públicas (vinculadas a universidades federais). Já na Universidade de São Paulo, considerada por muitos a melhor instituição de ensino brasileira, somente 28% das 10.852 vagas oferecidas no vestibular foram preenchidas por egressos de escolas públicas.
Este sistema de educação “universal” brasileiro é composto por universidades “gratuitas”, ou nas palavras do governo “para todos”, incumbidas, porém, de educar não aqueles precisam auxílio mas justamente aqueles que podem pagar por uma educação privada. Os encargos desta educação “pública” – ou “governamental”, como preferem alguns – recaem, em parte, sobre aqueles que dela são excluídos.  Forma-se um verdadeiro ciclo de exclusão social, em que pobres recebem educação básica de péssima qualidade e são preteridos nas universidades públicas, enquanto ricos têm sua educação financiada pelo resto da sociedade. A máxima “Os pobres se tornam cada vez mais pobres enquanto os ricos cada vez mais ricos” não poderia ser mais adequada. O governo perpetua um sistema de exclusão das famílias e indivíduos e depois tenta remendá-lo através de políticas de ação afirmativa que criam tantos outros problemas.
É verdade que as universidades públicas brasileiras têm desempenho razoável quando comparadas com outras universidades na América Latina. Se incluirmos o resto do mundo, todavia, os resultados se mostram bem abaixo da méda de países desenvolvidos ou em desenvolvimento.  No ranking de 2012 da Times Higher Education, por exemplo, somente a Universidade de São Paulo, no 178º lugar consta na lista das 200 melhores universidades do mundo, enquanto China e Coreia do Sul contam com três instituições cada uma. Sim, as universidades públicas brasileiras contam com um corpo de professores relativamente qualificados, atraídos principalmente pelos salários e benefícios do setor público. Da mesma forma, os vestibulandos são atraídos pela qualidade relativa dos professores e pelas vantagens econômicas de estudar “de graça”. Mesmo assim, fatores como a péssima infraestrutura, a influência política de sindicatos, centros acadêmicos, assembleias legislativas, ONGS e afins e a ausência de meritocracia entre alunos, professores e administradores (efeitos de instituições que não punem fracassos nem recompensam sucessos), tornam o resultado de todos os gastos públicos muito aquém do esperado e do razoável.
As vantagens no sistema universitário público tornam a opção bastante atraente para todos os alunos, mesmo para aqueles em condições financeiras privilegiadas, que tiveram a oportunidade de frequentar escolas privadas antes do vestibular. Afinal de contas, as universidades são “gratuitas” e contam com grande parte dos melhores professores e alunos. Está aí motivo para o crescimento absurdo do mercado de cursos preparatórios para vestibulares. Criamos uma sociedade em que estudantes de escolas públicas são estimulados a abrir mão de sua educação, de seus sonhos e de suas paixões, já que não são preparados para ingressar em universidades públicas. Preteridos, largam os estudos de vez ou buscam alternativas mais convenientes em instituições privadas de baixo custo e qualidade (as mesmas que têm suas licenças cassadas pelo próprio MEC).
O que temos, então, é um sistema de alunos abastados egressos de escolas privadas estudando em escolas públicas de qualidade apenas razoável e alunos de péssimas escolas básicas públicas desestimulados a prestar vestibular ou tentados a buscar alternativas mais baratas e de qualidade inferior. Um ciclo de exclusão social em que aqueles que menos têm abrem mão de seus sonhos e ainda pagam para perpetuar os males que os afetam. Não se pode negar que as coisas precisam mudar. As ideias têm sempre partido de dentro; são sempre novas formas de organizar a educação e de se gastar com a educação. Sabemos que o ensino básico merece maior atenção. A pergunta é: por que estas mudanças demoram tanto para serem realizadas? Por que nunca geram resultados?  Será que o problema não é justamente com aqueles que estabelecem as regras e as põem em prática?
MAIS RECURSOS PARA O GOVERNO, MENOS ESCOLHAS PARA A POPULAÇÃO
São raras as lideranças acadêmicas e políticas brasileiras que questionam a necessidade de transferir mais fundos para as mãos do Ministério da Educação.  Mais uma vez, falta-nos examinar não a quantidade de nossas propostas, mas suas raízes. Será que a falta de recursos é mesmo o entrave para o desenvolvimento da educação? As mesmas autoridades intelectuais e políticas que pedem mais recursos parecem ignorar ou desconhecer o simples fato de que “investir mais em educação” significa “transferir mais decisões para o governo e retirar mais decisões da população”.
A ideia de que o problema da educação brasileira é a falta de recursos, repetida muitas vezes pelas partes mais interessadas – leia-se sindicatos de professores, organizações estudantis afiliadas a partidos políticos e administradores públicos – é muito questionável. O custo por aluno da educação básica até a educação secundária aumentou em torno de 121% entre 2000 e 2008 no Brasil, segundo relatório da OECD. Já o investimento por aluno na educação básica subiu de R$ 1.439 em 2002 para R$ 2.632 em 2008. Na mesma linha, o investimento no ensino superior também subiu de R$ 14.374 por aluno em 2002 para R$ 14.763 em 2008. Os investimentos no ensino básico têm crescido numa velocidade maior do que os investimentos no ensino universitário. Progresso efetivo como demonstram os estudos apresentados aqui,  ainda não há. A educação no Brasil continua sofrível.
Naturalmente, o aumento nas receitas também é acompanhado por um aumento na quantidade, complexidade e amplitude das normas reguladoras no setor. Basta-nos uma breve consulta ao site do MEC, para nos depararmos com uma infinidade de resoluções, leis, portarias, tratados e secretárias dedicados aos mais diversos temas tangenciando, mesmo que superficialmente, o assunto educação de diversas formas diferentes. O provável aumento das receitas e responsabilidades do MEC, criará um braço super poderoso do governo, incumbido da ambiciosa tarefa de desenhar toda a política educacional de um país de dimensões continentais, super populoso e diverso culturalmente.
Trata-se de uma consequência inevitável dos estados intervencionistas  como nos ensina o economista Friedrich Hayek. As normas se tornam cada vez mais numerosas e amplas (ambiciosas) em conteúdo, passando a regular situações cada vez mais específicas e a estabelecer os fins e não apenas os meios para os alcançar. Elas passam a decidir os caminhos e os destinos, ao invés de apenas prover as condições para uma caminhada mais tranquila. Decisões são retiradas da esfera das famílias e das comunidades e delegadas a corpos de burocratas a quilômetros de distância em Brasília. Enquanto os gastos do governo aumentam, as possibilidades de escolha da população se evaporam e os problemas continuam quando não se tornam ainda maiores.
O MONOPÓLIO DO GOVERNO SOBRE A EDUCAÇÃO
Assim, temos um sistema de universidades limitado cada vez mais por requisitos e diretrizes que impedem as instituições de ensino, sejam privadas ou públicas, a se ajustarem de forma adequada não somente às demandas do mercado mundial, mas também às particularidades e preferências de cada indivíduos e aos ideais de educação de seus pais. As regras são criadas e impostas por um corpo de servidores públicos do MEC. Por mais extensos que possam ser seus currículos e mesmo nobres as suas intenções, não é razoável achar que eles possam conhecer todas as carências e especificidades de uma sociedade plural como a brasileira. Além do mais, por que um modelo de educação é necessariamente melhor do que outro? Será que a educação não precisa se ajustar às circunstâncias de cada indivíduo  família e comunidade? Pode uma entidade centralizada como o MEC cumprir este objetivo? F.A. Hayek argumenta que há um problema de conhecimento nas burocracias. É virtualmente impossível que um entidade em Brasília seja capaz de compreender as necessidades e particularidades de uma região como o Estado de Sergipe, de uma cidade como Petrópolis e entender os problemas, talentos e sonhos dos Joãos e Marias do Brasil. Somos muitos e todos diferentes. Será que o MEC realmente tem todas as respostas?
Quando métodos e fórmulas diferentes de produção competem entre si para atender à procura, a qualidade do serviços tende a aumentar. Da mesma forma, quando um modelo é imposto, monopolizado por uma entidade, os incentivos para mudanças, melhoras e desenvolvimento desaparecem. O mercado de educação, nesse sentido, só é diferente dos outros no que tange à sua importância; pois ele trata da formação e do futuro de seres humanos. Não é por isso que as leis de oferta e demanda deixam de existir: mais opções e escolhas, e menos barreiras de entrada e saída geram melhores resultados para a sociedade.  A melhor saída , portanto, é promover a competição neste mercado, aumentando as possibilidades dos indivíduos, permitir que as cidades, os bairros, as famílias e os indivíduos decidiam o que e como irá se educar. Precisamos desmonopolizar a educação brasileira.
Um primeiro passo nesta direção pode ser a ideia de School Vouchers proposta pelo economista Milton Friedman (1916-2003),  que conta com histórias de sucesso em países bem sucedidos no assunto Educação como Suécia e o Chile. O sistema de vouchers consiste essencialmente numa redefinição da relação entre o governo e o pagador de impostos. O pagador de impostos recebe determinada quantia do governo na forma de voucher (que funciona como uma espécie de vale-educação). Na posse deste, o indivíduo é livre para aplicá-lo da forma que bem entender, desde que seja em educação. Pode, assim, optar por uma escola administrada pelo governo, por uma escola privada, ou mesmo por alternativas menos ortodoxas (como o homeschooling). Neste sistema, as escolas não obtém sua receita através da administração estatal, mas através dos vouchers que recebem dos alunos que as elegem.
 Estimula-se a concorrência entre escolas, tanto privadas como públicas, preços tendem a diminuir e a qualidade dos serviços a aumentar. A administração das escolas passa a ser responsável por seus fracassos e sucessos, tornando-se sujeita à competição no mercado de educação. Professores e administradores são incentivados a melhorar constantemente para se manter na profissão. A administração, não mais submetida diretamente às burocracias estaduais e federais, torna-se autônoma. Isto é, administradores passam a poder demitir funcionários e investir em bens e serviços mais apropriados para as suas circunstâncias.
A proposta merece, ao menos, ser estudada. Insistir nas mesmas soluções, em maiores gastos nos mesmos erros, com a esperança de que, desta vez, seja pelo aumento na receita ou pela genialidade e bondade dos burocratas da vez – que admitamos: jamais nos inspiram confiança – não me parece correto. O certo é que alternativas como os vouchers, que privilegiam a autonomia, a responsabilidade de professores, administradores e alunos e a meritocracia, estão faltando no Brasil. Discutir, estudar, considerar, sempre com prudência, nunca é demais.
Humildade é o que essencialmente falta ao governo, às instituições de ensino e às redações brasileiras, não só no que tange à educação. Humildade para admitir que educar um país de quase 200 milhões de pessoas é uma tarefa difícil. Humildade para nos desprendermos de utopias, de ideologias e nos comprometermos com o real, com o factível. Humildade para lembramos que do alto dos gabinetes políticos, das cadeiras acadêmicas ou das redações dos grandes jornais, não podemos conhecer as necessidades e particularidades de cada cidadão. Finalmente, humildade para reconhecer que podemos errar e que, frequentemente, erramos. Partindo deste princípio, quem sabe, não chegamos a uma conclusão diferente, um regime em que a liberdade de escolha para as famílias e os indivíduos prevaleça sobre os arbítrios, mesmo que bem intencionados, dos governantes e dos funcionários públicos.  Precisamos que nos deem as mínimas condições, mas queremos decidir nossos próprios destinos.



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